FOI ENOQUE TRASLADADO AOS CÉUS?

Por: Rosh Shaul Ben Or (Souza, Eugênio Rosendo. 2024)

Introdução

Shalom a todos(as). Muito se tem ensinado e propagado nos meios religiosos e teológicos cristãos, até mesmo em algumas vertentes judaicas, com base em suas tradições, acerca da trasladação de Enoque, mas será que ele, de fato, foi levado aos céus? Será que as Escrituras realmente atestam esse ensino?

Bem, apresentamos uma sugestão de interpretação, não tendo a presunção de exaurir o tema e nem querendo “bater o martelo” sobre o assunto, porém trazemos uma nova alternativa de interpretação para que possamos juntos pensar “fora da caixa” ou da “bolha” do sistema religioso e sim com base nos textos bíblicos. Vejamos o que os textos relatam sobre isso.

Entrando no mérito da questão

Enoque ou Hanoch (heb.: חנוךHanokh: “iniciado” ou “dedicado”). O patriarca, é um personagem bíblico e está presente em muitas tradições judaicas/cristãs. Considerado o autor do Livro de Enoque, também chamado de escriba do julgamento, é pertencente, segundo os escritos judaicos, a sétima geração da família de Adam, sendo filho de Yarede, e pai de Metushalach (avô de Noach).

Os sábios judeus, de abençoada memória, comentaram que “em todas as situações o sétimo é preferido […] nas gerações: Adam, Seth, Enosh, Kenan, Mehallel, Yared e Hanoch (Enoque) – e entre estas todas “Enoque andou com D’us”; Entre os patriarcas, o sétimo é o preferido: Avraham, Itzchak, Yaacov, Levi, Kehath, Amram e Moshê: e Moshê subiu para D’us (Ex 19:3)”. – (Peskita de Rab Kahana: cap. 23).

Enoque andou com o Eterno, isso quer dizer que tinha um relacionamento próximo, que fazia o que o Eterno se agradava, o que se compreende no cumprimento das suas mitzvot (mandamentos), de forma que estava de acordo com a justiça (Torah) divina, vejamos in verbis:

22 E andou Enoque com D’us, depois que gerou a Matusalém, trezentos anos, e gerou filhos e filhas.

23 E foram todos os dias de Enoque trezentos e sessenta e cinco anos.

24 E andou Enoque com D’us; e não apareceu mais, porquanto D’us para si o tomou. Gn 5.22-24 (ACF);

5 Pela fé Enoque foi trasladado para não ver a morte, e não foi achado, porque D’us o trasladara; visto como antes da sua trasladação alcançou testemunho de que agradara a D’us. Hb 11.5

O termo “não apareceu” pode ser entendido e visto em outras traduções como “não estava ali”, “não foi achado”, ou, ainda, “desapareceu” (Bíblia de Estudo do Expositor), denotando que não foi visto em algum lugar específico. Já o termo “mais” e “para si” não existe nos textos originais, sendo que se trata de uma interpolação, a qual trata-se de palavras ou frases adicionadas ao texto para ficar inteligível ao leitor, ou seja, de fácil compreensão na leitura, visto que há textos no hebraico que aparentemente ficam sem sentido se não for interpolado, mas por vezes essas interpolações acabam por mudar o sentido, na tradução, do que realmente o autor queria dizer.

Assim, excluindo essas interpolações, ficaria o texto, por exemplo, assim: “E andou Enoque com D’us; e não apareceu, porquanto D’us o levou”. Isso é o que está na língua original essencialmente.

Em hebreus 11.5, fala que para ele não ver a morte, fora trasladado (tomado/levado), contudo, é interessante vermos outros textos que não se conciliam com afirmações simples a exemplo, primeiramente, do próprio Messias Yeshua em Yochanan (João) 3.13, quando contradiz ao afirmar in verbis: “Ora, ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu, o Filho do homem”, bem como Yochanan (1 João 4.12a): “Ninguém jamais viu a Elohim (D’us)…”

Ora, com esta afirmativa, fica evidente que ninguém antes do messias havia subido aos Céus a não ser Ele mesmo (posteriormente), o que refuta o entendimento de que Enoque tivesse subido aos céus, contudo, alguém poderá dizer que se trata de situações diferentes com base em que Yeshua está falando precipuamente de “subir” por conta própria ou por seus próprios esforços e o caso de Enoque, tem-se que ele não “subiu”, mas foi “levado/tomado” por alguém (D’us), esta é uma das argumentações cristãs para embasar a interpretação da trasladação aos céus de forma que não entre em contradição com a afirmativa de Yeshua.

Entretanto, sobre isso, o que aconteceu quando Yeshua subiu aos céus em Atos 1.9-11?

E, quando dizia isto, vendo-o eles, foi elevado às alturas, e uma nuvem o recebeu, ocultando-o a seus olhos.

10 E, estando com os olhos fitos no céu, enquanto ele subia, eis que junto deles se puseram dois homens vestidos de branco.

11 Os quais lhes disseram: Homens galileus, por que estais olhando para o céu? Esse Jesus, que dentre vós foi recebido em cima no céu, há de vir assim como para o céu o vistes ir.

Veja que o termo grego “elevado” ἐπαίρω (epaírō [ep-ahee’-ro]): erguer, levantar, elevar; metaforicamente ser erguido com dignidade, traz a ideia de que ele foi elevado, erguido levantado (por algém). O termo “subia” do grego πορεύομαι (poreúomai [por-yoo’-om-ahee]) quer dizer “partir” ou “seguir alguém, isto é, tornar-se seu adepto, transferir, transportar, conduzir”. Já o termo “recebido” do grego ἀναλαμβάνω (analambánō [an-al-am-ban’-o]) quer dizer “levantar erguer (uma coisa a fim de levar ou usá-la) ou, ainda, assunto (ascensão)”, contudo, a Bíblia de Jerusalém usa um termo curioso em sua versão, veja: “e lhes disseram: “Homens da Galiléia, por que estais aí a olhar para o céu? Este Jesus, que foi arrebatado dentre vós para o céu, assim virá, do mesmo modo como o vistes partir para o céu“.

Neste sentido, fica claro que Yeshua estava partindo aos shamayim por estar sendo levado pelo poder do Eterno. Portanto, o supracitado argumento de alegar que Enoque foi levado e Yeshua subiu por conta própria não prevalece e nem tão pouco que Enoque tenha sido levado aos céus. Continuemos!

Outro ponto importante é que as Escrituras declaram que os céus pertencem ao Eterno e a terra aos filhos dos homens, vejamos: “Os céus são os céus do Eterno; mas a terra a deu aos filhos dos homens” (Tehilim [salmos] 115.16); “Para fazer justiça ao órfão e ao oprimido, a fim de que o homem que é da terra não prossiga mais em usar da violência” Tehilim [Salmos] 10.18), desta feita, como poderia o homem ir aos céus visto não ser o lugar que o Eterno designou para ele? Pelo contrário, ninguém vai aos céus, pois a terra pertence aos homens, conforme está escrito:

“Porque os malfeitores serão exterminados, mas os que esperam no Eterno estes possuirão a Terra” (Salmos 37:9)

Os justos herdarão a Terra e nela habitarão para sempre.” (Salmos. 37:29)

“Porque os retos habitarão na Terra, e os íntegros permanecerão nela. Mas os perversos serão eliminados da Terra, e os aleivosos serão dela desarraigados.” (Provérbios. 2:21,22)

“Mas os mansos herdarão a Terra e se deleitarão na abundância de paz.” (Salmos. 37:11)

Podemos constatar também que a todo ser humano foi determinado morrer algum dia, pois a Torah em Bereshit (Gênesis) 3.19: “No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra; porque dela foste tomado; porquanto és pó e em pó te tornarás; Hebreus 9.27-28: “E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo, assim também Cristo (Mashiach), oferecendo-se (morreu) uma vez para tirar os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o esperam para salvação”. Grifo nosso.

Nesse diapasão, até o Messias teve que passar pela morte, cuja entrada no mundo fora por causa do pecado, para nos dar o exemplo, por que então Enoque não poderia também participar da morte visto a ser descendente do primeiro Adam? É Enoque melhor que o Messias? Evidente que não!

Corroborando nesse aspecto, pertinente é o fato de que, conforme o ensino de Shaul ha’shaliach (Paulo o apóstolo) em 1 Coríntios, por sermos descendentes do primeiro Adam, estamos fadados a morte física. De acordo com 1Co 15.21-22, in verbis: “Porque assim como a morte veio por um homem, também a ressurreição dos mortos veio por um homem. Porque, assim como todos morrem em Adam, assim também todos serão vivificados em Mashiach (Cristo)”.

Nessa lógica, Enoque também estava sujeito a condição de morrer por ser descendente de Adam como qualquer ser humano, não podendo ser isento, pois se o fosse, seria a “Primícia” e não o Messias, pois o verso 20 e 23 do mesmo capítulo 15 estabelece: Mas, de fato, Messias ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem; Mas cada um por sua ordem: Cristo (Mashiach) as primícias, depois os que são de Cristo (Messias), na sua vinda”.

Isso significa que de acordo com a explicação de Rav Shaul (Paulo), carne e o sangue não podem herdar o reino de D’us, nem a corrupção herdar a incorrupção (1Co 15.50), ou seja, Enoque não poderia ter sido levado aos shamayim (Céus) no corpo humano (carne e sangue) que possui, pois se tivesse sido levado aos céus, deveria ter sido transformado imediatamente a um novo corpo semelhante ao que teremos na vinda do Mashiach, isto é, com uma nova “matéria”, sendo, contudo, celestial ou, ainda, semelhante aos malachim (mensageiros, anjos). No entanto, “o primeiro homem (Adam-humanidade), da terra, é terreno (matéria); o segundo homem, o Adon (senhor Yeshua) é dos céus. Qual o terreno, tais são também os terrestres; e qual o celestial, tais também os celestiais” (1Co 15.47-48).

Explicando melhor, este nosso corpo atual é corruptível, se deteriora, se desgasta e envelhece com o tempo. Na medida, porém, que entra em contato com a presença divina, essa matéria tende a ser renovada a ponto de ser transformada e se tornar resplandecente, a exemplo disso, Adam que antes da transgressão, segundo nossos sábios, possuía um corpo de luz, sua pele resplandecia luz e quando peca perde esse brilho, ficando sem pele e inadaptável neste mundo, daí porque o Eterno por sua chessed (heb. graça, bondade, misericórdia) faz-lhes uma “túnica de pele”, esta não de animal como a cristandade equivocadamente ensina, mas sim a nossa derme (pele humana) que temos hoje, pois em nenhum lugar afirma que o Eterno matou um cordeiro para isso – diga-se de passagem.

Da mesma forma, Moshê (Moisés) quando sobe ao monte Sinai e fica 40 dias em jejum na presença do Eterno e, findando os 40 dias desce do monte, seu rosto está resplandecente, de forma que as pessoas não podiam contemplar seu rosto, veja Shemot (Êxodo) 34.29-35:

29 E aconteceu que, descendo Moshê (Moisés) do monte Sinai trazia as duas tábuas do testemunho em suas mãos, sim, quando desceu do monte, Moshê não sabia que a pele do seu rosto resplandecia, depois que falara com ele.

30 Olhando, pois, Aharon (Arão) e todos os filhos de Israel para Moshê, eis que a pele do seu rosto resplandecia; por isso temeram chegar-se a ele.

31 Então Moshê os chamou, e Aharon e todos os príncipes da congregação tornaram-se a ele; e Moshê lhes falou.

32 Depois chegaram também todos os filhos de Israel; e ele lhes ordenou tudo o que o Eterno falara com ele no monte Sinai.

33 Assim que Moshê acabou de falar com eles, pôs um véu sobre o seu rosto.

34 Porém, entrando Moshê perante o Eterno, para falar com ele, tirava o véu até sair; e, saindo, falava com os filhos de Israel o que lhe era ordenado.

35 Assim, pois, viam os filhos de Israel o rosto de Moshê, e que resplandecia a pele do seu rosto; e tornava Moshê a pôr o véu sobre o seu rosto, até entrar para falar com ele.

Veja que algo mudou em Moshê após seu contato com o Eterno e semelhantemente, Yeshua, quando do evento da transfiguração, em que dois homens conversavam com Ele, seu rosto ficou transfigurado e sua roupa resplandecia (Lc 9.28-36; Mt 17.1-13), revelando que ao entrar na presença divina por algum tempo, as estruturas físicas (átomos e moléculas) do ser humano começam a entrar em transformação numa espécie de restauração conforme Adam antes da queda.

Neste aspecto, se Enoque tivesse sido trasladado/levado aos céus, teria que ter sido transformado antes ou durante o processo, se foi levado aos céus e transformado, então ele teria se tornado imortal, o que, por sua vez, o tornaria as “Prímícias” e não o Messias Yeshua, e se fosse as primícias teria que ter morrido ou vencido a morte para depois ressuscitar com corpo ressurreto (transformado), haja vista que pelos esclarecimentos de Shaul, para que isso venha ocorrer, é necessário morrer, conforme em 1 Coríntios 15, in verbis:

35 Mas alguém dirá: Como ressuscitarão os mortos? E com que corpo virão?

36 Insensato! o que tu semeias não é vivificado, se primeiro não morrer.

37 E, quando semeias, não semeias o corpo que há de nascer, mas o simples grão, como de trigo, ou de outra qualquer semente.

38 Mas D’us dá-lhe o corpo como quer, e a cada semente o seu próprio corpo.

Este ensino está de acordo com o que Yeshua revela em Yochanan (João) 12.23-24 que diz: “E Yeshua lhes respondeu, dizendo: (…). Na verdade, na verdade vos digo que, se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto”. Compreende-se, pelo mesmo princípio, que é mister morrer para “nascer de novo” com um corpo glorificado.

Com isso, depreende-se que Enoque não poderia, nesse sentido, ter sido “arrebatado” aos céus, haja vista, que nesta hipótese, reitera, seria as “Primícias”, o que vai de encontro às afirmações do Mashiach Yeshua de que ninguém subiu aos céus a não ser ele mesmo; que para estar nos céus teria que ser transformado por não herdar, os céus, carne e sangue; e que ele como qualquer outro está condicionado a morte de Adam, pois em Adam todos morrem.

Ponto culminante

Mas o que então poderia ter acontecido com Enoque? Ele simplesmente morreu como todo e qualquer mortal filho de Adam! O próprio texto em hebreus 11 confirma isso, vejamos:

5 Pela fé Enoque foi trasladado para não ver a morte, e não foi achado, porque D’us o trasladara; visto como antes da sua trasladação alcançou testemunho de que agradara a D’us.

(…).

13 Todos estes morreram na fé, sem terem recebido as promessas; mas vendo-as de longe, e crendo-as e abraçando-as, confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra. Grifo nosso.

Como se observa na famigerada “galeria dos heróis da fé”, no capítulo 11 de hebreus, o autor segue elencando vários personagens bíblicos até chegar no verso 13, enfatizando que TODOS ESTES MORRERAM, ficando inequívoco a morte de Enoque. Ainda, afirma que não receberam as promessas, mas vendo-as de longe…, ora se Enoque tivesse subido aos céus, não teria ele literalmente recebido as promessas nos céus? Não seria uma forma de recompensa? Ou, ainda, não as teria visto de perto? E se ele subiu aos céus, recebeu as promessas, vendo as de perto, voltaria novamente como uma das duas testemunhas (Ap 11.3-12) para morrer e ressuscitar como os demais? Não estaria recebendo recompensas duas vezes? Mão o contexto não dar azo a isso. Não faz sentido.

Para não se ter equívoco, vamos ao mesmo texto (Hb 11.13) em hebraico:

בָּאֱמוּנָה מֵתוּ כָל- אֵלֶּה וְלֹא רָאוּ אֶת- הַהַבְטָחוֹת רַק מֵרָחוֹק צִפּוּ לָהֵן וַיִּבְטְחוּ וַיִּשְׂמְחוּ לִקְרָאתָן וַיּוֹדוּ כִּי- גֵרִים הֵם וְתוֹשָׁבִים בָּאָרֶץ:

Va’emunah metu khal eleh velo rau et hahavetachot raq merachoq tsipu lahen vayvetechu vaysemechu liqeratan vayodu ki gerym hem vetoshavym va’aretz.

O termo metu khal eleh traduzido acertadamente por “morreram todos estes”, é a prova cabal de que todos os personagens ali descritos, incluindo Enoque, morreram e que logicamente não foi levado aos céus. Entretanto, ainda fica a pergunta no ar: “por que então as Escrituras afirmam que ele foi tomado ou levado”? É o que tentaremos responder, embora não se diga para onde.

Acrescenta-se ainda: “E todos estes, (novamente: INCLUINDO ENOQUE) tendo tido testemunho pela fé, não alcançaram a promessa, Provendo Elohim (D’us) alguma coisa melhor a nosso respeito, para que eles (novamente: INCLUINDO ENOQUE), sem nós, não fossem aperfeiçoados” (Hb 11:39-40).

A versão grega de Hebreus 11:5 também é esclarecedor. A NKJV lê em parte: “Pela fé, Enoque foi levado para que ele não visse a morte…“. Aqui, a palavra grega “levado” é METATITHEMI, que segundo a Concordância Exaustiva de Strong, traduz-se por “colocar ou transferir em uma postura passiva e horizontal”. As formas deste termo também acontecem em Atos 7:16 (“carregado de volta”), Gálatas 1:6 (“afastando-se”), Hebreus 7:12 (“mudou”) e Judas 4 (“convertem”). Sendo usada em toda a Septuaginta com uma gama similar de significados.

Por oportuno, vemos que a palavra grega METATITHEMI, usada no texto grego de Hebreus 11:5, significa basicamente ser privado da vida antes que os anos de alguém sejam completados ou antes do tempo. Isto é para preservar os tzadikim (justos) da corruptora influência adicional dos perversos, precavendo, portanto, que os justos não percam o galardão!

Enfim, asseveramos que ambos os textos, em hebraico e grego de Hebreus 11:5 e Gênesis 5.24, não ensinam que alguém foi “transladado” vivo aos Céus. Ademais, quanto à afirmativa de que Enoque “não morreu” (Hb 11:5), isso deve ser cotejado e confrontado com os ensinos de Shaul (Paulo) em 2ª Timóteo 4:6-8 e de Pedro em 2ª Pedro 1:13- 15. Isto é, estes homens tinham aviso prévio de sua morte iminente. Enoque foi removido de repente e sem aviso prévio.

A Torah (Gn 5.24) fala que Enoque andou com Elohim (D’us), e esta palavra “andou” é הלך (heb. Halak), que quer dizer “andar, ir, vir”, e este mesmo verbo em aramaico é traduzido por “pedágio, imposto tributo”, neste caso, podemos entender um caminhar por meio de um preço pago, ou seja, para andar segundo o patamar de Elohim (D’us) é necessário pagar um preço.

Agora, a questão da frase “já não era” (Gn 5.24), pode ter o sentido de “não estava entre nós”, e ainda nos diz que Elohim (D’us) tomou Enoque. Se analisarmos a palavra “tomar”, a qual no hebraico é לקח (heb. laqach), cujo um dos significados é “tomar posse de alguém”, é curioso notarmos que este mesmo termo pode ter uma outra acepção, já que não há vogais no hebraico antigo, então, temos uma outra vocalização לקח (heb. leqach), cujo o sentido é “ensino, instrução, percepção”.

De acordo com estas definições da palavra לקח (heb. leqach), podemos então chegar na seguinte interpretação de Gn 5.24, in verbis: “Enoque pagou um preço para caminhar com Elohim e ao receber o ensino e instrução do Eterno, tornou-se sua posse e foi separado dos demais a sua volta“. Este “foi separado dos demais a sua volta”, pode ter o sentido de “morte, alguém que morreu”. Esta “morte” foi uma morte física de Enoque após ele ter vivido um vida com o Eterno.

Neste pórtico, somente devemos crer na Palavra de Ha Kadosh Baruch Hu (O Santo Bendito É/Seja). Enoque não foi “arrebatado” ao Céus. Devemos aceitar, antes, que Enoque morreu; ele morreu na Emunah (Fé) não tendo recebido as promessas, e que ele as receberá na ressurreição dos mortos como todos os crentes, com exceção daqueles fiéis que “estarão vivos até a vinda do Messias Yeshua” (1 Ts 4:15).

Respondendo as lacunas

Respondendo a indagação, apresentamos agora de forma sugestiva o que realmente deve ter acontecido. Para isso vamos entender o contexto da época.

Na época, Enoque era um profeta e tzadik (justo) em sua geração, esta estava corrompida e cheia de violência assim como a geração de Noach (Noé [Bereshit {Gn} 6.1-9]), visto que havia gigantes (Nefilins) e toda sorte de rebelião contra a vontade do Altíssimo, conforme também é mencionado no livro de Enoque. De modo que um servo do Eterno que pregava a justiça (Torah [oral]) em meio a essa geração, naturalmente adquiriria muitos inimigos.

A bíblia fala muito pouco sobre ele e sua breve vida, porém temos alguns relatos relevante como na epístola de Yehudah (Judas), versículos 14-15:

14 E destes profetizou também Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que é vindo o Senhor (O Eterno) com milhares de seus santos;

15 Para fazer juízo contra todos e condenar dentre eles todos os ímpios, por todas as suas obras de impiedade, que impiamente cometeram, e por todas as duras palavras que ímpios pecadores disseram contra ele. (grifo nosso).

Os ímpios, aqui mencionados, são os pecadores desde Adam até a vinda de Mashiach. Assim Enoque despertava a ira nos pecadores do seu tempo: ao profetizar que seriam julgados e eliminados.

Depreende-se que este personagem enigmático era profeta e que os povos da época eram perversos e que diante de suas mensagens contra a injustiça e o pecado, esses ímpios provavelmente se sentiam afrontados, de modo que não tardariam em intentarem em, possivelmente, matá-lo.

Todos os homens que foram usados por D’us para transmitir a sua palavra, foram (muitos) perseguidos pelos seus adversários (os pecadores) e até mortos. Foi o caso de muitos homens e profetas como o próprio Yeshua disse: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, apedrejas os que a ti são enviados!…” (Mt 23:37). E logo no início da Nova Aliança Yochanan ha’Mativil (João Batista) e o próprio filho de D’us e, por último, os Shilichim (apóstolos) e seus seguidores, que foram PERSEGUIDOS, e mesmo mortos, por que serviam ao Eterno falando a verdade.

Sobre Enoque, segundo Rabino Shlomo Yitzhaki (Salomão filho de Isaac), de Troyes – comumente conhecido como Rashi – um dos maiores comentaristas e intérpretes das Escrituras entre os sábios judeus – por exemplo, escreveu que “e andou Enoque – era justo e inocente em seus pensamentos, não sendo acusado em coisa alguma, por isso apressou-se o Eterno, ha Kadosh baruch Hu (Bendito seja Ele), em removê-lo desta terra e matá-lo (tirar sua vida) antes do tempo previsto, e esta é a razão de estar escrito, em relação a sua morte, וְאֵינֶנּוּ, “veeinenu” – pois “não havia mais ele” neste mundo no propósito de cumprir seus anos de vida, porque לָקַח אֹתוֹ, “laqach otô” – “tomou para si (D’us)” antes do tempo.”

E “HANOCH ANDOU. Ele era um homem justo, mas [era] leve (para ele) voltar ao mal. Portanto, o Santo, abençoado seja ele, apressou-se e o removeu e o deixou morrer antes de seu tempo. É por isso que a Escritura varia [a expressão] sobre sua morte e escreve: “E ele não estava” no mundo para completar seus anos. PARA QUE O TENHO. Antes do seu tempo…”. (The Pentateuch And Rashi’s Commentary, Vol.1: Genesis)

Ou seja, Hanoch (Enoque) caminhava com o Eterno, mas ele poderia facilmente ser mal influenciado por ser ingênuo de certa forma, por isso o Eterno o salva, levando-o antes da hora, de forma que ele não mais existiu nas imediações, porque D’us o tomara no sentido de tirar-lhe a vida.

Em seu comentário dos Ensinamentos da Torá Conciliando a História Judaica com a Fé Cristã, pag. 14 – 2019, Kent Dobson, sobre a frase “E já não foi encontrado”, em Gn 5.24, revela in verbis:

O fato de que D’us o “arrebatou” (levou/tomou) pode ser uma alusão à morte (veja Ez 24.16-18; Jn 4.3). As palavras misteriosas (do Livro de Enoque) levaram os intérpretes antigos a concluir (equivocadamente) que ele tinha sido levado ao céu como o profeta Elias (Eliahu): “Os ventos me fizeram [Enoque] voar e me apressaram e me levaram ao céu” (1 Enoque 14.8). (Grifo nosso).

Entretanto, tal relato de Enoque não tem o condão de atribuir essa ação ao seu suposto “arrebatamento” aos céus, ele está se referindo às suas visões proféticas celestiais e não de que seria arrebatado.

Outro detalhe interessante que não podemos deixar de mencionar é a referência a Ezequiel 24.16, onde, para se referir a morte de sua mulher, é usado o mesmo termo em hebraico utilizado em Bereshit (Gn) 5.24 para “trasladado/tomado”, isto é, o verbo לָקַח – “laqach” (tirar, tomar, levar), bem como Yona (Jonas) 4.3, que também usa o mesmo verbo, ambos no sentido de morte/tirar a vida, conforme seus respectivos contextos.

Desta forma, fica evidenciado que Enoque fora levado/tomado no sentido de morte ou melhor, mediante a sua morte, pelo fato ainda dele não ser mais encontrado/achado pelas demais pessoas. Há, ainda, outra possibilidade, a de que, supondo que ele tenha sido levado antes de sua morte, conforme o relato de hebreus 11.5, fora levado para algum outro lugar para não ser morto, isto é, assassinado por alguém, de forma que o Eterno o tira/leva de suas imediações, daquela região, ocultando-o para que ninguém o pudesse ferir ou o matar, conforme podemos comparar com o episódio do talmidin (discípulo) de Yeshua Filipe em Atos dos Emissários 8.26-40, in verbis:

26 E o malach (anjo) do Eterno falou a Filipe, dizendo: Levanta-te, e vai para o lado do sul, ao caminho que desce de Jerusalém para Gaza, que está deserta.

(…).

39 E, quando saíram da água, o Espírito do Eterno arrebatou a Filipe, e não o viu mais o eunuco; e, jubiloso, continuou o seu caminho.

40 E Filipe se achou em Azoto e, indo passando, anunciava o evangelho em todas as cidades, até que chegou a Cesaréia.

Bem, assim como Filipe fora levado para um outro lugar, o verso sobre Enoque (Gn 5.24) diz que “não era mais”, e isso pode ter o sentido de “não estava entre nós“, indicando “alguém que morreu” e também está escrito que o Eterno o tomou (para si). Sendo assim, Enoque morreu depois de viver 365 anos, ele já não era mais. E quanto ao texto de hebreus 5.11, nos diz que ele foi trasladado para não ver a morte, presume-se que seja de um lugar ao outro para não ser morto/assassinado, e não para não conhecer a morte e ir para um “céu”.

Podemos também ver frases semelhantes a “ele não era” que são utilizadas em outros textos no Tanach (“Antigo Testamento”) para significar a MORTE. Por exemplo: “…Raquel chora seus filhos; não quer ser consolada quanto a seus filhos, porque já não existem (“eles não eram”)” [Jr.31:15]. Mais uma vez: “…Porque agora me deitarei no pó, e de madrugada me buscarás, e não existirei mais” (Jó 7:21), ou seja, eles morreram!

Segundo a Concordância Analítica do Jovem, a palavra hebraica “tomou” é LAQAH que pode significar também “receber” ou “aceitar“. Assim, Bereshit (Gn) 5:24, pode ser lido: “E Enoque andou com Elohim (D’us), e ele morreu, porque Elohim (D’us) o aceitou“.

Seja como for, se quando fora tomado/levado pelo Eterno, este tirou-lhe a vida ou se foi levado para outro lugar na terra com o objetivo de não ser morto (por alguém), porque provavelmente estava em perigo de vida, o fato é que este tzadik (justo) não foi trasladado aos céus, mas sim morto como quaisquer servos do Eterno para que “eles sem nós não fossem aperfeiçoados”, o que somente acontecerá quando da vinda do Mashiach (Messias [Ungido]).

Conclusão

Essa crença sobre Enoque (incluindo Eliahu [Elias]), ser tomado vivo para o Céu não aparece em nenhum lugar do Tanach (Torá-Navin-Ketuvin [Lei-Profetas-Escritos {“Antigo Testamento”}). Ela faz sua aparição no pensamento e na literatura judaica durante o período intertestamentário. Ou seja, essa crença não aparece até após o retorno dos judeus do cativeiro Babilônico de setenta anos.

Assim, pelo exame minucioso do Tanach (Escrituras), fica provado que Hanoch (Enoque), não fora trasladado aos céus como a maioria da cristandade e até mesmo algumas linhas do judaísmo defendem de forma equivocada, mas que simplesmente esse servo do Eterno morreu, seja por ter, D’us, tirado-lhe a vida no momento de ser tomado, seja tenha sido levado para outro lugar para não ser morto por alguém e morrido posteriormente de modo natural (sendo levado pelo Eterno). O fato é que morreu como todos aqueles que descendem do primeiro Adam.

Portanto, o testemunho da Palavra de Elohim é claro e consistente nesses assuntos. Todos morrem em Adão. Enoque, bem como Eliahu (Elias, tema para outro estudo) não são exceção! Junto com os patriarcas, os profetas e todos os que morreram na fé, dormem o “sono” (em sua nefesh) da morte até chegarem a hora de despertarem na ressurreição.

“Fiz-me acaso vosso inimigo, dizendo a verdade?” (Gl 4.16).

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